sábado, 26 de janeiro de 2008




BLADE RUNNER REVISITADO


Talvez para muitos fosse mais simples terem o seu próprio andróide pessoal, criado à imagem dos seus desejos e necessidades. Um ser amorfo, sem emoções, sem expressão pessoal, mas que num artificial contra-papel correspondesse obedientemente ao seu possuidor.


Este andróide seria um ser perecível, desligável, conforme as mudanças e os humores do dono. Seria um não-ser ao serviço.


Não andaremos longe, mas felizmente para mim já não andarei por cá nesses inusitados tempos.


Um artigo do Courrier ilustrava, o que já se vem pensando, que a plasticidade do cérebro, a memória, e a (decadendente) inteligência sofrerão alterações com a re-utilização da informação, a qual terá como fonte principal a 'grande rede', e como suporte aparelhos sofisticados que não obrigam sequer a que saibamos o nosso nome. Já suspeitava.


Ficaremos mais estúpidos, mais dependentes, e aparentemente mais felizes, porque tudo o que quisermos poderá ser um espelho dos nossos desejos. acabar-se-ão as divergências, e tudo poderá ser o que quisermos. E quando não, basta carregar no delete, e abrir outra janela, e recomeçar.


Há quem já tenha iniciado a revolução, e não por acaso, são na sua maioria os mais estúpidos, os mais dependentes, e os que não suportam a divergência, lançando-se à procura de lugares idealizados e da aprovação e desvelo no seio de uma outra mãe chamada Net. Porque aí haverá sempre alguêm que os compreenda, para quem possam simular a identidade que não têm, e sobretudo desligar quando já não interessa, ou quando foram afrontados com o desacordo.


A dialética está a morrer, porque para essa estirpe que (sobre)vive com a consola agarrada às unhas, que nunca leu um poema, e para quem um livro é uma perda de tempo, a vida é um episódio virtual, assim como os outros, e como eles mesmos.


Afinal o fim da espécie não se deverá à gloriosa e episódica inteligência, mas sim pela perda dela. E já andam aí alguns sapiens sapiens promissores. Daqueles a que Morin chamou Homo demens.





quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

existem um grupo de seres vivos que se lançam furiosamente sobre os carros, com aquela expressão no rosto de quem são donos do Mundo. Ou pelo menos, não o sendo, naquela pequena parcela de território, e naquele momento, deveria parar a rotação, a translação, todas as inspirações suspenderem-se para que vitoriosamente chegassem à outra margem.
poderíamos pensar que estão zangados, porque não têm carro, e então teríamos os invejosos.
poderíamos pensar estão atrasados, a família à espera, e então teríamos os oprimidos.
poderíamos pensar, estão ali há segundos e ninguém é suficientemente amável para os deixar passar, e então teriamos as vitimas da bomba atómica.
poderíamos pensar, são da cáfila do sócrates e se não os deixamos passar, logo, logo, sai uma lei que nos obriga a irmos chamá-los a casa para atravessarem.
pelo sim, pelo não, caro automobilista, se conduzir estacione!

sábado, 12 de janeiro de 2008


belíssimos imorais











































FUMADORES P'RÓ TARRAFAL



não me surpreende a forma ordeira e cordata como os portugueses aceitaram a nova lei anti-tabaco.
os portugueses sempre foram escrupulosamente obedientes a tudo o que fosse feito 'a bem da Nação'.
os que fumam ficaram contentes porque finalmente a mão de deus lhes veio retirar o chupa-chupa da boca, o que lhes fazia mal, mas por serem menores, fracos, e imbecis, perseveravam até terem percebido que isso era pecado, e que os meninos que fumam não vão como os demais para a aldeia das tabuletas, mas para o inferno, por esbanjarem dinheiro ao orçamento do Estado em tratamentos, que obviamente não têm direito se vierem a precisar, porque (não?) pagam impostos para isso.
os que não fumam exultaram por fim, por verem os que se comprazem em prazeres demoníacos a serem tratados como selvagens, descuidados, e terroristas ambientais. ou sobretudo, por poderem exilá-los, colocá-los à margem, e viverem higienicamente sem essa corja de indivíduos de mau porte social.
foi um desfilar de arautos dos bons-costumes na TV. um jovem médico do porto, que errou a carreira, e me fez suspeitar que, afinal, para medicina não vão só os mais inteligentes, avançou até com a possibilidade da proibição se estender aos espaços abertos. o sôtor, deveria procurar em decretos mais antigos e serôdios, a brilhante ideia que foi a necessidade de obter 'licença para posse de isqueiro', não vá o diabo tecê-las, e essa chusma de delinquentes andarem, depois, a esfumaçar às escondidas.
portugal é um país de luminárias, que são uma espécie de vermes metamorfoseados em sapiens sapiens, cuja única razão de existirem é fazer da vida uma enorme chatice, já que assim é a deles.
seria, pois, interessante anexar ao dístico, a célebre frase de uma outra luminária: 'beijar uma mulher que fuma é como lamber um cinzeiro', não sem antes lhe fazer um rigoroso exame, a ver se as lambidelas nos cinzeiros não lhe provocaram uma maleita susceptível de delapidar o orçamento da Saúde, e expurgá-lo também a ele para o Tarrafal.Depois aplicar a sua lógica a outros tantos actos porcos, como o fellatio, e desatar a fazer slogans, p.ex.'beijar uma mulher que já fez um fellatio, é o mesmo que lamber um pénis'.
os portugueses estão, por fim, mais felizes. há finalmente alguém que os põe na ordem.
portugueses amigos, não demorará muito para que façam inquéritos às vossas práticas sexuais, por causa das doenças, daquelas que só as pessoas porcas, e com maus hábitos apanham, daquelas que, também, fazem gastar muito dinheirinho ao Estado. Mas suspeito que por aqui não irá o gato às filhoses, porque de tão higiénicos que somos, foder, foder, só mesmo a cabeça aos outros.


só para não fumadores:
  1. 'tarrafal' - ver na wikipédia;
  2. 'fumadores' - uma cáfila de imorais.


só para fumadores:

  1. 'vícios e virtudes confundem-se no caixão'(Sade);
  2. 'as três melhores coisas da vida são o whisky antes, e o cigarro depois' (José Cardoso Pires)